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Juiz Flávio Luiz da Costa esclarece sobre lei, que garante teletrabalho para gestantes na pandemia

O juiz Flávio Luiz da Costa, do Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região (TRT/AL), concedeu entrevista ao portal do Centro Universitário Tiradentes (Unit Alagoas) sobre a lei federal n°14.151 , promulgada no último dia 13 de maio pelo presidente Jair Bolsonaro, que determina que as trabalhadoras gestantes devem ficar em casa, fora do trabalho presencial, sem qualquer prejuízo dos salários mensais, enquanto durar o período da pandemia do novo coronavírus. O magistrado também é docente do curso de Direito da instituição universitária. Veja a entrevista completa abaixo:

Qual é o ‘espírito da lei’, isto é, a principal intenção e objetivo dela?

A finalidade da norma é garantir à futura mamãe e ao seu nascituro um período gestacional seguro e protegido de eventual contaminação pela COVID–19, seja no trajeto casa – trabalho – casa ou mesmo no próprio meio ambiente laboral.

Há uma demanda grande de gestantes que precisam recorrer a essa lei?

Sim. As mortes de grávidas e de mães de recém–nascidos causadas pela COVID–19 aumentaram significativamente, estando acima da média da população em geral, conforme notícias divulgadas na imprensa falada e escrita.

O que o empregador deve fazer para cumpri-la?

Ao empregador compete unicamente dar eficácia à norma, em que deverá, para tanto, comunicar imediatamente à empregada gestante de seu afastamento provisório do trabalho presencial, sob pena de ser responsabilizado se assim não o fizer.

E quais as sanções previstas?

Primeiro, o STF já reconheceu a Covid–19 como doença ocupacional, muito embora para setores de atividades ditas essenciais nesse momento de pandemia. Nesse contexto, trabalhadores que são contaminados pela doença, especialmente as gestantes, terão direito de acesso aos benefícios como auxílio doença, por exemplo.

De modo que às gestantes que não forem afastadas do ambiente de labor e se contaminarem pela Covid–19, porque ainda continuam especificamente no ambiente presencial de trabalho, terão direito à reparação por danos morais e materiais perante à Justiça do Trabalho, isso se não houver morte do nascituro.

Essa hipótese não afasta que órgãos como a Superintendência Regional do Trabalho (SRT) e o Ministério Público do Trabalho (MPT) realizem inspeções nas empresas e as autuem por não cumprirem normas afetas à saúde das gestantes que atuam presencialmente de maneira em descompasso à determinação da norma.

Isso sem contar o manejo de ações civis públicas pelo Ministério Público do Trabalho perante a Justiça do Trabalho para que a norma seja cumprida pelas empresas.

Tais penalidades também decorrem da previsão do art. 1º da Lei Federal nº. 14.141/2021, além da regra prevista no art. 195, §4º, da CRFB/88, seja ainda pela eventual interpretação mais elástica por aplicação analógica do art. 394-A, §3º, da CLT.

É possível fazer com que a gestante fique em home-office, até seu afastamento pela licença?

A intenção do legislador é que a limitação temporal ao trabalho em “home office” pela gestante ocorra enquanto durar a pandemia ou cessado o período de afastamento da licença maternidade porque poderá acontecer da gestante entrar em trabalho de parto no período de vigência desta norma e da pandemia.

Como esta situação da gestante será administrada pelo INSS (no que diz respeito aos desdobramentos previdenciários)?

A partir do momento em que o legislador reconhece que o estado gravídico é uma condição de risco, essa circunstância atrai para o Estado o ônus de proteger esse referido grupo vulnerável para que a finalidade da norma se concretize.

Nesse cenário, não se trata de aplicação de banco de horas, antecipação de férias, licença remunerada, redução proporcional de jornada e salário, e nem de suspensão de contrato de trabalho, uma vez que ela visa tão somente o afastamento do trabalho presencial da gestante para que em “home office” continue a prestação de seus serviços normalmente enquanto não entrar de licença maternidade.

É evidente que empresas terão que se ajustar a essa nova realidade pandêmica, mas no decorrer do tempo e das novas tecnologias disponibilizadas e bem difundidas no país, será uma questão de tempo para essa adequação ao “home office” das gestantes.

Sabemos que é possível ainda, do ponto de vista do risco empresarial, que os empregadores encaminhem suas empregadas gestantes à Previdência Social, mas, ainda assim, deverão continuar pagando a remuneração e aguardar a resposta do INSS, que possivelmente será negativa, observando–se a legislação de regência à espécie.

Vale lembrar também que sobre eventual alegação de que não há prévia fonte de custeio (artigo 195, §5º, da CRFB/88), o Supremo Tribunal Federal já decidiu que essa ausência de previsão de fonte de custeio não é óbice para extensão do prazo de licença à adotante (RE 778.889, Relator(a): ministro Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 10/3/2016).

De igual modo, já decidiu também que a ausência de fonte de custeio também não é óbice a demandas de assistência médico-farmacêutica e para a extensão da licença-maternidade e do salário-maternidade nos casos de alta hospitalar do recém-nascido e/ou de sua mãe, o que ocorrer por último, quando o período de internação exceder as duas semanas previstas no artigo 392, §2º, da CLT (ADI 6327, relator(a): Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgado em 3/4/2020, publicação em 19/6/2020).

Assim, em caso de negativa do INSS, recomenda-se que as empresas continuem pagando a remuneração para evitar que a empregada fique no limbo em um momento de tamanha vulnerabilidade. Mas podem imediatamente adotar medidas judiciais cabíveis para que o Estado seja declarado o responsável por tais parcelas (o que poderá ser feito mediante compensação tributária no futuro).

Se a trabalhadora é demitida por conta dessa condição, o empregador incorrerá em irregularidades? Quais?

A dispensa da empregada gestante, considerada a ausência de justa causa aplicada pelo empregador termina por violar o direito criado pela lei em estudo, haja vista que a norma visa proteger a empregada gestante sem prejuízo de sua remuneração, criando uma verdadeira estabilidade provisória, na medida em que ao garantir o pagamento da remuneração da empregada, o seu emprego é ainda mais razão de ser protegido. Desse modo, a dispensa de trabalhadora grávida importa em infração à estabilidade provisória prevista em lei, incorrendo o empregador na obrigação de reintegrá–la ao emprego, com o pagamento de todas as remunerações e vantagens para o mesmo cargo que ocupava desde a data da dispensa.

Alguns empregadores já se queixam dos possíveis prejuízos e problemas com a aplicação desta lei. Alguma contrapartida nesse sentido é prevista pela dita lei?

Ainda não, todavia, já há movimentos no sentido de edição de medida provisória no sentido de complementar essa norma. Por fim, há mecanismos criados como a suspensão do contrato de trabalho decorrente da MP nº 1.045/2021 (redução proporcional de jornada de trabalho e de salários; e suspensão temporária do contrato de trabalho), bem como o pagamento de benefício emergencial, devendo, de acordo com essa legislação específica, o empregador complementar a remuneração da empregada que não atingir o valor da remuneração que recebia.